Distúrbios Gastrointestinais Funcionais do Lactente: Uma Abordagem Prática

Os distúrbios gastrointestinais funcionais (DGIF) do lactente representam uma das principais causas de consulta pediátrica.

Doutora Mónica Tavares, Pediatra

Os distúrbios gastrointestinais funcionais (DGIF) do lactente são uma causa frequente de preocupação parental e representam uma das principais causas de consulta pediátrica nos primeiros meses de vida1. Incluem diversas entidades designadas comummente como cólica do bebé, refluxo em bebé e obstipação/prisão de ventre em bebé.  São definidos por uma combinação de sintomas persistentes/recorrentes do trato gastrointestinal, na ausência de outras alterações que os justifiquem2. Embora sejam situações comuns e fisiológicos nos primeiros meses de vida de um sistema digestivo imaturo podem gerar uma elevada ansiedade parental(1,2).

Estes distúrbios podem ter causas variadas, desde a imaturidade do sistema digestivo ou da sua motilidade, alteração da microbiota intestinal, intolerância alimentar, entre outras(1).

O reconhecimento destas condições é fundamental para a abordagem adequada destes lactentes.

Nesta idade, de acordo com os critérios de Roma IV, as mais frequentes são: (2,3,4):

  • Regurgitação funcional: o clássico refluxo em bebés ou “bolçar” depois das mamadas; ocorre entre 41 a 67% dos lactentes, entre as 3 semanas e os 12 meses e cerca de 90% apresenta resolução aos 12 meses.
  • Cólicas do recém-nascido: episódios de choro intenso, geralmente ao fim do dia, sem causa aparente; ocorre em 5-19% dos lactentes, com início poucos dias após o nascimento e estando resolvida aos 5 meses.
  • Obstipação funcional: designada na gíria como prisão de ventre do bebé, consiste numa dificuldade para evacuar, geralmente sem dor significativa; ocorre em cerca de 3 a 27% dos lactentes; cerca de 80% melhora após o 1º ano de tratamento.

Estes distúrbios são por definição, benignos e autolimitados. Contudo podem gerar impacto significativo na qualidade de vida da família2,3, levando muitas vezes a abordagens diagnósticas e terapêuticas desnecessárias. O diagnóstico é principalmente clínico, baseado em critérios bem definidos, sendo rara a necessidade de exames complementares3. Cabe ao médico diferenciar estes quadros benignos de condições que requerem investigação especializada e tratamento específico.

A elevada incidência destes distúrbios, que ocorrem por vezes em associação, levou várias sociedades de gastroenterologia e nutrição pediátrica a estabelecerem recomendações clínicas1.

A transição de leite materno exclusivo para uma fórmula para lactentes específica não está recomendada1, desde que a mãe tenha leite e vontade para amamentar. Para o caso dos lactentes com DGIF que não se encontram sob aleitamento materno, a indústria farmacêutica e de nutrição tem-se tentado adaptar às suas necessidades, oferecendo no mercado fórmulas especiais que as tentem minimizar (1), de modo a conseguir um melhor conforto digestivo.  A evicção de leite de vaca apenas se justifica se houver suspeita clínica de alergia alimentar, o que é raro, e deve ocorrer sob supervisão médica e durante um período de tempo restrito. A prescrição de medicamentos deve ser evitada, exceto em situações muito específicas, e sempre por tempo limitado3.

Importa reforçar a necessidade de uma boa comunicação médico-família, e esclarecimento adequado das dúvidas e gestão das expetativas. A orientação precoce dos cuidadores, a vigilância de sinais de desidratação e desnutrição, e o acompanhamento regular, assegurando o conhecimento das famílias sobre a evolução transitória e natural destas condições (2,3), são essenciais para garantir um desenvolvimento adequado. Fale com o seu médico para o ajudar a melhor decidir no caso do seu bebé.

Com o tempo e apoio adequado, a maioria dos casos evolui para resolução espontânea, sem impacto no seu crescimento ou desenvolvimento.


Ideias chave:

  • Se apesar das cólicas do bebé ele mama bem, cresce e desenvolve-se de forma harmoniosa, não há motivo para alarme.
  • Mesmo nos casos do refluxo do bebé a amamentação deve ser mantida, sempre que possível— não substituir por fórmula especial1.
  • Em alguns casos, pode ser sugerida uma fórmula específica para a situação do seu bebé, que melhore o conforto digestivo, mas apenas após avaliação médica1.
  • A evicção de proteína de leite de vaca só deve ser feita se houver suspeita real de alergia alimentar (corresponde a menos de 1% dos casos de DGIF), sempre durante um período limitado e sob acompanhamento médico.
  • Evitar medicamentos: a maioria dos bebés não precisa de tratamento médico1,2.

 

 

 

Referências
  1. Haiden N, Savino F, Hill S, Kivelä L, De Koning B, Kӧglmeier J, Luque V, Moltu SJ, Norsa L, De Pipaon MS, Verduci E, Bronsky J. Infant formulas for the treatment of functional gastrointestinal disorders: A position paper of the ESPGHAN Nutrition Committee. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2024 Jul;79(1):168-180. doi: 10.1002/jpn3.12240. Epub 2024 May 20. PMID: 38766683.
  2. Zeevenhooven J, Koppen IJ, Benninga MA. The New Rome IV Criteria for Functional Gastrointestinal Disorders in Infants and Toddlers. Pediatr Gastroenterol Hepatol Nutr. 2017 Mar;20(1):1-13. doi: 10.5223/pghn.2017.20.1.1. Epub 2017 Mar 27. PMID: 28401050; PMCID: PMC5385301.
  3. 3. Benninga, M. A., Faure, C., Hyman, P. E., St James Roberts, I., Schechter, N. L., Nurko, S., et al. (2016). Childhood Functional Gastrointestinal Disorders: Neonate/Toddler. Gastroenterology, 150(6), 1443–1455. https://doi.org/10.1053/j.gastro.2016.02.016.
  4. Robin S. G., et al. Prevalence of Pediatric Functional Gastrointestinal Disorders Utilizing the Rome IV Criteria. J. Pediatr. 195, 134–139 (2018).