Refluxo em bebés… doença ou condição fisiológica?

O refluxo gastroesofágico (RGE) é definido como a passagem de conteúdo gástrico para o esófago com ou sem regurgitação e/ou vómitos.

Doutora Mónica Tavares, Pediatra

O refluxo gastroesofágico (RGE) é definido como a passagem de conteúdo gástrico para o esófago com ou sem regurgitação e/ou vómitos1. O refluxo em bebés é considerado patológico e denominado Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) quando leva a outros problemas ou complicações como a esofagite que pode ocorrer devido à exposição prolongada da mucosa do esófago à acidez gástrica1,2. Em recém-nascidos e lactentes um choro persistente, o arquear das costas e irritabilidade podem ser sintomas de RGE mas não são exclusivos desta condição, pelo que se torna ainda mais difícil fazer um correto diagnóstico1.

A regurgitação resulta da saída do conteúdo gástrico pela boca em contexto de RGE, que ocorre sem esforço. Ocorre em lactentes saudáveis, entre as 3 semanas e os 12 meses de vida, 2 ou 3 vezes por dia, durante pelo menos 3 semanas. Estes lactentes não apresentam vómitos, perda de sangue, aspiração, apneia, má evolução ponderal, dificuldades na alimentação ou deglutição ou uma postura anormal2.

De acordo com um estudo recente que utilizou os critérios de Roma IV a regurgitação foi a doença gastrointestinal funcional mais prevalente em lactentes, ocorrendo em 24,1% 3.

Importa realçar que tanto o RGE como a regurgitação são condições fisiológicas normais, que ocorrem no lactente e que tipicamente não requerem tratamento2.

O tratamento não farmacológico do RGE pode passar por uma diminuição do volume de leite ingerido em cada mamada, evitando a sobrealimentação, mas tendo em atenção o risco de má evolução ponderal1. O leite materno não deve ser descontinuado pela presença de RGE2.

O uso de espessantes, quer do leite materno quer os associados às fórmulas para lactentes, reduz o conteúdo de refluxo do estômago para o esófago ao espessar o leite, reduzindo os episódios de regurgitação1,2. As fórmulas antirregurgitação (AR) são preferíveis à adição de espessantes às fórmulas regulares, devido a um melhor controlo da homogeneidade, viscosidade, digestibilidade, osmolaridade e conteúdo calórico2,4. Estudos realizados demonstraram uma redução de 5.4 para 2.5 episódios de refluxo por dia com o uso de fórmulas AR, durante um período de 1-4 semanas3. Baseado nesta revisão da literatura, as fórmulas espessadas reduzem a regurgitação, podem melhorar os sintomas associados ao refluxo e melhoram o aumento ponderal4.

Raramente os sintomas de refluxo podem traduzir uma Alergia as Proteínas de Leite de Vaca (PLV). Assim, se as medidas anteriores não forem eficazes, pode ser necessário um período de evicção de PLV durante 2 a 4 semanas, seguido de uma prova de provocação oral para confirmação do diagnóstico2.  No entanto, quer a evicção quer a prova de provocação oral devem ser efetuadas sob orientação médica.

O tratamento farmacológico está reservado apenas a situações de DRGE e deve ser sempre realizado sob orientação médica1.

A elevada prevalência de refluxo em bebés associada a uma sintomatologia inespecífica e à grande ansiedade parental pode conduzir a erros na abordagem destes lactentes. Consulte o seu Médico para o ajudar a melhor esclarecer esta situação e a sua abordagem.

 

 

 

Referências
  1. Rosen R., et al., Pediatric Gastroesophageal Reflux Clinical Practice Guidelines: Joint Recommendations of the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition and the European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition. JPGN 66: 516–554 (2018).
  2. Haiden N, Savino F, Hill S, Kivelä L, De Koning B, Kӧglmeier J, Luque V, Moltu SJ, Norsa L, De Pipaon MS, Verduci E, Bronsky J. Infant formulas for the treatment of functional gastrointestinal disorders: A position paper of the ESPGHAN Nutrition Committee. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2024 Jul;79(1):168-180. doi: 10.1002/jpn3.12240. Epub 2024 May 20. PMID: 38766683.
  3. Robin S. G., et al. Prevalence of Pediatric Functional Gastrointestinal Disorders Utilizing the Rome IV Criteria. J. Pediatr. 195, 134–139 (2018).
  4. Salvatore S, Savino F, Singendonk M, Tabbers M, Benninga MA, Staiano A, Vandenplas Y. Thickened infant formula: What to know. Nutrition. 2018 May;49:51-56. doi: 10.1016/j.nut.2017.10.010. Epub 2018 Feb 26. PMID: 29495000